domingo, 6 de abril de 2008

O mercado da educação bilíngüe

Semana passada reparei que em meu caminho habitual na volta pra casa há uma nova escola bilíngue. Pelo nome, deduzi que deve usar o inglês como segunda língua. É a terceira naquele bairro, de classe média. Não conheço a escola, sua proposta e seu trabalho, mas fiquei pensando que a cada dia descubro novas escolas bilíngües nas ruas, na Internet, nos anúncios e nos guias. Será que há tanta gente interessada em uma educação bilíngüe? Ou será que é um 'nicho de mercado' que as escolas particulares, como empresas, descobriram?

Já repararam que a maioria oferece educação infantil? Imagino dois motivos principais: a histórica falta de vagas na rede pública para as crianças pequenas, e a falta de exigências legais sobre uma base curricular na educação infantil.
Mas a esses motivos principais podemos juntar outros: as mães que hoje trabalham, a competividade que faz os pais se preocuparem com a escolarização (e às vezes, profissionalização) precoce, o status que dá ter um filho em uma escola assim...
Sei que há escolas bilíngües que fazem um trabalho sério e fundamentado, com bons profissionais, acompanhamento da direção e da coordenação e um projeto coerente e embasado teoricamente. Mas também sei (como todos sabem) que há escolas cujo interesse se apoia no 'mercado', e não na educação.

A dúvida que paira então é: educação é um serviço que os pais compram? Se for, o aluno será o 'cliente', os pais os 'investidores', e a escola a 'prestadora de serviços'. Como 'o cliente tem sempre razão', o perigo é abandonarmos uma formação humanista em nome dos interesses imediatos dos alunos e das famílias. Que sociedade se constrói assim? Uma sociedade de consumo, competiviva, individualista, sem visão de responsabilidade social, onde palavras como 'coletivo' e 'comunidade' são sempre entendidas como 'mercado consumidor. Que tristeza!

Qual o resultado de uma escola assim, ou de muitas escolas assim, pelas quais essa geração vai passando? Me parece que a exacerbação do 'eu', a ética do 'eu quero, então eu posso', ou do 'estou pagando, portanto exijo', que os professores enfrentam em seu dia-a-dia.

A mercantilização do ensino está em toda parte, não só nas escolas bilíngües, é claro. Já há algum tempo que discutimos a venda de diplomas e as universidades pagou-passou. Mas é uma pena que também na educação bilingüe, ainda mais na educação infantil, essa mercantilização comece a aparecer!

quarta-feira, 2 de abril de 2008

Para que serve a educação?

A quem educar? Por que educar? Como educar?
Essas questões são a síntese da preocupação humana com a educação ao longo dos séculos. Isso porque a espécie humana, diferentemente dos animais movidos apenas por instinto, é capaz de criar, de inovar, de inventar o supérfluo. E é tamanha a quantidade de invenções e de conhecimentos humanos, que torna-se necessário sistematizá-los e transmiti-los às novas gerações. Assim surgiu a educação formal, como meio de suprir essa necessidade, o que possibilitou uma evolução cada vez maior e mais rápida em termos de conhecimentos.
Outra característica humana, além do poder de criação, é a reflexão. Por isso, o ser humano se questiona a respeito de qual a função da educação: será preparar para o mercado de trabalho, assegurando profissionalização? Ou dar uma visão humanística, mais geral? Deverá o ensino preparar para o vestibular, ser propedêutico? Ou devemos fornecer uma educação desvinculada desse compromisso?
Seja qual for a resposta, ela nunca será neutra, mas estará impregnada das nossas concepções de educação e de sociedade. Passo agora a defender a minha posição.
Educação é um direito de todos. Todos os setores da sociedade valorizam e exigem a educação, embora nem sempre se mobilizem para torná--la efetivamente abrangente, universal e de boa qualidade. Mas em todas as famílias vemos a preocupação em ter seus filhos educados; nas empresas exige-se um nível de escolaridade cada vez maior, e vários setores buscam superar os problemas das escolas (voluntários, 3º setor, etc). Todavia, o que se vê é a falta de visão sobre os objetivos da educação.
A educação, muito mais do que transmissão de informações ou qualificação profissional, tem o dever de transmitir o legado cultural acumulado pela humanidade historicamente. Essa é uma tarefa verdadeiramente desafiadora, porque envolve mobilização de professores e alunos na apropriação de saberes construídos em diversas áreas, desde a arte até a linguagem, desde a música até a matemática. A escola seria o lugar ideal para dar um vislumbre da grandeza humana, de sua produção cultural, de suas idéias e aspirações, do desenvolvimento das técnicas a serviço da qualidade de vida, dos erros e horrores da história e de como superá-los, aprendendo com eles.
Essa seria uma tarefa apaixonante, e daria conta, indubitavelmente, de todos aqueles famigerados conteúdos e programas que são alienadamente empurrados para e pelo professor. Viria do encontro das necessidades dos alunos, da sua curiosidade, do seu dinamismo e alegria naturais, desenvolvendo espírito científico e criatividade, e semeando o prazer do aprendizado.
Quantos talentos se perderam na escola, entre as inúmeras tarefas repetitivas e mecanizadas, tão comuns no cotidiano escolarizado? Como podiam ter florescido, se apenas lhes fossem dados meios de desenvolver seu potencial, respeitando sua individualidade, sem tentar sufocar sua personalidade!
A escola não tem cumprido nenhum dos objetivos anteriormente citados. Não propicia a atualização cultural, não prepara para o trabalho e nem para o vestibular. A escola gera alunos desmotivados, que não gostam de estudar, que não têm o hábito da leitura, meros executores de tarefas repetitivas, seguidores de ordens, passivos e em nada conscientes.
Inúmeros educadores têm denunciado ao longo de vários anos essa função reprodutora da escola; Paulo Freire chama essa concepção de "educação bancária", pois o professor "deposita" o conhecimento no aluno, para nas provas verificar o "saldo".
Infelizmente, apesar de muito se falar sobre construtivismo, sobre desenvolver as competências, respeitar as "inteligências múltiplas", essas considerações não transcendem a teoria, não chegam a alcançar a prática.
São inúmeros os motivos para isso: falta de vontade política e de compromisso social por parte dos governantes, falta de condições mínimas de trabalho para o professor, seja de material de trabalho, seja de remuneração; falta de consciência dos pais da necessidade de mobilizarem-se na luta por melhores condições nas escolas; falta de visão dos gestores acerca do que é realmente necessário realizar em sua prática e do que é meramente burocrático... falta de tudo!
Todavia, isso não pode ser desculpa ou empecilho para mudar a realidade. Reconhecer a importância da escola básica e conhecer seus problemas deve levar-nos, como sociedade, a nos mobilizarmos para mudar essa situação, exigindo dos governantes que façam a sua parte, equipando as escolas e dando melhores condições de trabalho ao professor.
Esses passos são fundamentais para a construção de uma sociedade mais justa e menos desigual. Para a efetivação da cidadania de cada um, para uma verdadeira democracia.
Uma escola que dê ao aluno a chance de escolher entre ver o Programa do Ratinho ou o Jornal Nacional, entre ouvir Bach ou É o Tchan. Entre votar bem ou votar nos mesmos corruptos que nos têm explorado por anos a fio. Que lhe dê liberdade. Porque ninguém é livre sem conhecimento, sem consciência.
Uma escola que mostre ao aluno que o mundo tem jeito, que não foi tudo sempre assim, que vale a pena lutar e coordenar esforços para perseguir um sonho, um ideal. Afinal, não foi assim com o fim da escravidão, e com tantas mudanças históricas que só sucederam em virtude das lutas humanas?
Por isso, o papel fundamental da escola é o de dar ao aluno uma visão sócio-histórico-cultural da evolução da humanidade. Para dar-lhe o direito de escolha, para que ele tenha meios de efetuar essa luta. Dizer que a escola deve preparar profissionalmente é reduzir demais o seu papel. Alegar que deve ser propedêutica ao vestibular é assassinar seu verdadeiro sentido, o que serve principalmente para perpetuar essa sociedade de privilégios em que vivemos.